SEEBPPMS - Sindicato dos Bancários de Ponta Porã e Região

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3 de Outubro de 2025

Conferência Nacional por IA com Direitos Sociais debate futuro do trabalho e regulação da tecnologia no Brasil

O segundo dia da I Conferência Nacional por Inteligência Artificial com Direitos Sociais, realizado nesta sexta-feira (3), no campus da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Bernardo do Campo, foi marcado por debates intensos sobre os impactos da IA no mundo do trabalho, os riscos do controle corporativo das big techs e os caminhos para garantir a regulação e a proteção social diante das transformações tecnológicas em curso.

A programação começou com a abertura oficial, que contou com a participação de autoridades, representantes das centrais sindicais, da Frente de IA com Direitos Sociais – Ceará, além de reitores de universidades federais e do reitor da UFABC. Em seguida, foram realizadas homenagens especiais ao professor Ladislau Dowbor (PUC-SP) e ao deputado estadual Eduardo Suplicy (PT-SP), em reconhecimento às contribuições acadêmicas e políticas de ambos para a defesa da justiça social e da democracia.

Diagnósticos e desafios

A primeira mesa da manhã foi dedicada a uma análise crítica sobre o cenário global e nacional da inteligência artificial. O sociólogo e professor da UFABC Sérgio Amadeu e a cientista da computação Nina da Hora trataram dos temas “Nova Divisão Internacional do Trabalho e a Desigualdade” e “Controle Corporativo: Big Techs”. O painel destacou os efeitos da concentração de poder econômico e tecnológico nas mãos de poucas empresas e os impactos para a soberania digital e para a autonomia dos trabalhadores.

Sérgio Amadeu demonstrou como o avanço da inteligência artificial vem sendo incorporado pelos interesses militares de grandes potências, especialmente os Estados Unidos, numa fusão perigosa entre capitalismo de vigilância e militarismo digital.

Ele alertou para a transformação da guerra em um “sistema tecnocrático, no qual dados e IA são tão cruciais quanto armas”, descrevendo sistemas que mapeiam populações inteiras para definir alvos. Amadeu também citou o embate entre Elon Musk e o Supremo Tribunal Federal (STF), lembrando um ofício das Forças Armadas que alertava para a dependência da rede Starlink, de Musk, para a mobilização de tropas.

O professor ainda criticou o conceito de “nuvem soberana” vendido por empresas de tecnologia no Brasil. “Atualmente, temos ‘nuvem soberana’ da Oracle, da Microsoft, da Amazon. É um produto”, afirmou, destacando o CLOUD Act dos EUA, que obriga empresas americanas a fornecer dados ao governo norte-americano, independentemente de onde estejam localizados os servidores. Para ele, a conclusão é clara: “Não há soberania nacional hoje sem soberania digital.”

Nina da Hora, por sua vez, destacou que a tecnologia deve ser pensada além dos dados, considerando a interação humano-computador. Ela criticou a abordagem extrativista das big techs, que prioriza o lucro em detrimento do ser humano. “O debate sobre o papel das big techs na democracia exige não apenas regulamentação, mas também uma mudança de perspectiva: é preciso pensar em tecnologias que coloquem o ser humano no centro, promovam o bem-estar coletivo e respeitem os limites éticos. Só assim será possível transformar a tecnologia de um instrumento de controle em uma ferramenta de emancipação social”, afirmou.

O futuro do trabalho

A segunda mesa discutiu “IA e o Futuro do Trabalho: Substituição ou Complementaridade?”, com a professora da UFABC Luci Praun e o sociólogo da Unicamp Ricardo Antunes. O debate trouxe visões distintas sobre como a inteligência artificial está reconfigurando postos de trabalho, intensificando a precarização em alguns setores, mas também podendo abrir espaços para novas formas de ocupação profissional.

Ricardo Antunes apresentou uma análise crítica, alinhada à sua perspectiva marxista. Para ele, a IA, sob a lógica capitalista, tende a aprofundar a precarização e a desigualdade. “A tecnologia não é neutra. No capitalismo, a IA é comandada por grandes corporações para maximizar o lucro, concentrando renda nas mãos de poucos em detrimento da maioria”, afirmou.

Ele previu um “desemprego descomunal”, sobretudo pela automação de tarefas repetitivas. Em vez de liberar o ser humano para atividades criativas, a lógica atual tem levado à perda de postos de trabalho e ao avanço da uberização e pejotização. “O trabalhador se submete a uma servidão moderna, com intensificação dos ritmos e redução dos direitos trabalhistas”, disse.

Já Luci Praun destacou que as plataformas digitais reproduzem velhas formas de exploração com uma linguagem do século XXI. Ela alertou para a ofensiva das corporações em desregulamentar mercados e flexibilizar contratos de trabalho, reduzindo direitos. Lembrou que a reforma trabalhista de 2017, sob Michel Temer, teve como objetivo central garantir segurança jurídica ao empresariado, em detrimento dos trabalhadores.

A professora ressaltou também como mecanismos como bonificações por metas e flexibilização de salários estimulam competição entre trabalhadores, corroendo a coletividade e naturalizando o pagamento por produção. “Alterações na dinâmica de acumulação de capital ensejam mudanças nas formas prevalentes de sociabilidade”, observou. Para ela, a noção de “pleno emprego” é ilusória, já que não considera as múltiplas formas de inserção precária no mercado de trabalho.

Movimento sindical na era digital

Na parte da tarde, os debates se voltaram para as alternativas e estratégias de enfrentamento. A mesa “A luta por direitos sociais e sindicais na era da inteligência artificial” reuniu a vice-presidente da CUT Nacional e presidenta da Contraf-CUT, Juvandia Moreira, e o diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wellington Damasceno, que reforçaram a necessidade de organização coletiva diante das mudanças impostas pela IA.

Em sua palestra, Juvandia destacou que a inteligência artificial é uma tecnologia disruptiva, baseada em padrões de dados e marcada por vieses históricos, o que exige regulamentação séria no Brasil. Ela apresentou pontos do Projeto de Lei n.º 2.338/2023, em debate na Câmara dos Deputados, defendido pelas centrais sindicais com propostas de aprimoramento, como a garantia de negociação coletiva e a limitação do monitoramento excessivo. A dirigente também lembrou conquistas da categoria bancária em 2024, como a proibição de vigilância invasiva, a criação de uma Mesa Permanente de Negociação sobre o impacto da IA e cláusulas específicas para requalificação profissional.

No Brasil, a regulação da IA é discutida justamente a partir do PL 2.338/2023, aprovado no Senado em 2024. Embora o texto tenha sido considerado mais completo na primeira versão, as centrais sindicais defendem alterações para assegurar proteção efetiva aos trabalhadores. Entre as propostas apresentadas estão:

  • Garantia de negociação coletiva sempre que a IA impactar a gestão do trabalho, como em processos de seleção, avaliação, monitoramento ou desligamentos;
  • Limitação do uso de tecnologias de vigilância invasiva;
  • Supervisão humana em decisões automatizadas que resultem em punições ou demissões;
  • Participação social e sindical no processo regulatório;
  • Fortalecimento das redes de proteção social (seguro-desemprego, renda básica, apoio psicológico);
  • Programas de requalificação profissional e apoio à transição dos trabalhadores afetados;
  • Redistribuição dos ganhos de produtividade, incluindo a redução da jornada de trabalho.

O setor bancário aparece como estudo de caso, já que investe mais de R$ 40 bilhões por ano em tecnologia e 96% das instituições já utilizam IA em seus processos. “Em 2024, a categoria conquistou cláusulas inovadoras, como a proibição da cobrança de metas por aplicativos, o direito à desconexão, verbas para requalificação e cursos específicos para mulheres em TI. Também foi instituído um Observatório de IA, responsável por acompanhar softwares, aplicações e impactos no setor”, lembrou.

Um desafio recente, citado como exemplo por Juvandia, foi o caso do Itaú, que demitiu 1.175 trabalhadores com base em softwares de monitoramento de “disponibilidade digital”. “A prática, sem transparência ou direito a contestação, gerou precarização, sobrecarga e violação da privacidade, levantando críticas à ausência de regulação.”

Para Juvandia, o caminho é claro: “A inteligência artificial não pode ser usada para aprofundar a exploração e a precarização. Nosso desafio é garantir que essa tecnologia esteja a serviço da sociedade, protegendo empregos, ampliando direitos e fortalecendo a democracia.”

Wellington Damasceno acredita que “a discussão da inteligência artificial é uma disputa política, é uma disputa ideológica e é uma disputa de classes. Se a gente começar a entender isso, podemos começar a acumular forças para, de fato, chegar nos pontos que a Juvandia muito bem apresentou.”

O metalúrgico acredita que grande parte da taxação imposta pelos EUA aos produtos brasileiros é uma retaliação e está ligada a essa disputa dos dados. “A gente fala muito de regulamentar big techs, mas fala pouco sobre regulamentação da inteligência artificial. Este é o novo conflito geopolítico que está na mesa e a gente ainda não tem noção da capacidade de estrago e de aprofundamento das desigualdades e da mudança de conceito de guerra que a inteligência artificial pode trás para nós.”

Desafios

Em seguida, o painel “Desafios da Regulamentação da IA no Congresso Nacional” trouxe o ex-ministro José Dirceu e o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), que defenderam a urgência de um marco regulatório capaz de assegurar transparência, proteção de dados e políticas públicas voltadas ao interesse da sociedade.

Carta de São Bernardo e próximos passos

No encerramento, foi lida e aprovada a Carta de São Bernardo do Campo, documento que sintetiza as reflexões e propostas da conferência em defesa de uma inteligência artificial regulada, democrática e comprometida com a justiça social. Logo depois, foi constituída a direção da Frente por Inteligência Artificial com Direitos Sociais – Brasil, que terá como missão articular entidades, pesquisadores e movimentos sociais em torno dessa pauta estratégica.

A conferência terminou com o compromisso coletivo de manter o debate sobre a inteligência artificial a partir da ótica da defesa dos direitos sociais, do trabalho digno e da soberania nacional.

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