A pioneira articulação de políticas globais inclusivas
Demandas, reivindicações e propostas de organizações e movimentos de mulheres, negros e negras, povos originários e indígenas, comunidades tradicionais. De trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, da economia formal, informal, solidária e de cuidados. Também das pessoas com deficiências, LGBTQIA+, jovens, crianças, adolescentes, pessoas idosas, populações deslocadas ou em situação de rua, migrantes, refugiados e apátridas. “Todos clamando por uma reforma da governança global que assegure o fim dos conflitos armados, o desenvolvimento e a justiça socioambiental para si e para todo o planeta.”
A força, a importância e a abrangência do G20 Social estão marcados no documento final entregue no sábado (16) ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Durante três dias de evento (de 14 a 16 de novembro), e de forma inédita, o G20 Social reuniu no Rio de Janeiro cerca de 50 mil participantes que debateram 300 temas. O documento será apresentado à cúpula dos líderes do G20, encontro entre os chefes de Estado das 20 maiores economias do mundo, que ocorre na segunda e terça-feira (18 e 19), no Rio.
O impacto dessa novidade anunciada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na reunião do G20 na Índia, em 2023, foi tanto que essa ampliação das vozes cidadãs terá continuidade no ano que vem, na África do Sul, próximo país a sediar o encontro entre as 20 maiores economias do mundo.
A secretária de Políticas Social da Contraf-CUT, Elaine Cutis, participou do encontro e destaca a importância dessa iniciativa. “O G20 Social foi esse espaço inédito, de articulação de políticas globais inclusivas. Um encontro que ocorre num momento crucial da história do nosso planeta. E por meio do qual os cidadãos assumem, de forma organizada, seu direito à participação na construção do futuro.”
A dirigente lembra que até o presidente Lula assumir esse compromisso, as entidades da sociedade civil, os movimentos populares faziam suas atividades à parte das reuniões do G20. “Agora, no Brasil, de forma pioneira, abrimos o calendário de reuniões do G20, num movimento tão exitoso que a África do Sul manterá o G20 Social no calendário oficial do encontro da Cúpula, no ano que vem.”
Mundo mais justo
O documento resultado do G20 Social tem como base o apelo de movimentos sociais por justiça global. Discursos enfáticos, durante o encerramento do encontro, destacaram a urgência de reformar a governança global para enfrentar desafios como as mudanças do clima, desigualdades sociais e crises geopolíticas.
“Este é um momento histórico para mim e para o G20. Ao longo deste ano, o grupo ganhou um terceiro pilar, que se somou aos pilares político e financeiro: o pilar social, construído por vocês. Aqui tomam forma a expressão e a vontade coletiva, motivadas pela busca de um mundo mais democrático, justo e diverso”, disse Lula, ao receber o documento do G20 Social.
Os integrantes do G20, avaliou o presidente brasileiro, têm a responsabilidade de fazer a diferença para muitas pessoas. “A mobilização permanente de vocês será fundamental para impulsionar os trabalhos da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e avançar na tributação dos super-ricos; para garantir o cumprimento das metas de triplicar o uso de energias renováveis e antecipar a neutralidade de emissões; e para levar adiante nosso Chamado à Ação pela Reforma da Governança Global, assegurando instituições multilaterais mais representativas”, disse, elencando pontos apresentados no documento do G20 Social.
A agricultora Mazé Morais, líder da Marcha das Margaridas e representante da sociedade civil nacional no G20 Social, leu o documento final (veja abaixo). E ressaltou o resultado de um processo participativo que buscou amplificar as vozes frequentemente ignoradas nas decisões globais. “É hora de assumirmos a responsabilidade de liderar uma transformação profunda e duradoura”, conclamou Mazé Morais.
O texto enfatiza três pilares centrais: combate à fome, à pobreza e à desigualdade; enfrentamento das mudanças do clima e transição justa; e reforma da governança global. E destaca sua construção, com a contribuição de grupos historicamente marginalizados, como mulheres, negros, indígenas, pessoas com deficiência, trabalhadores da economia formal e informal, comunidades tradicionais e pessoas em situação de rua. Esses segmentos, frequentemente afetados pelas decisões globais, demandam mais participação nos processos de governança mundial.
Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo foi o responsável pela coordenação do G20 Social. E classificou o encontro como um troféu na festa da democracia. “Esse G20 Social faz um furo no presente e entra no G20 dos chefes de Estado para que o passado, a nossa cultura, a nossa história, a luta do povo possa passar para construir um futuro melhor para a humanidade.”
Declaração do G20 Social
A Cúpula Social do G20, reunida entre os dias 14 e 16 de novembro, no Rio de Janeiro, ao final do amplo processo de participação do G20 Social, convocado pela Presidência Brasileira do G20, dirige aos líderes mundiais, que se reunirão entre os dias 18 e 19 de novembro, na Cúpula do C20, a seguinte DECLARAÇÃO sobre as principais propostas da sociedade civil global, consensuadas durante os trabalhos realizados ao longo do ano, em torno dos três temas centrais da presidência brasileira do G20:
Combate à Fome, à Pobreza e à Desigualdade; Sustentabilidade, Mudanças do Clima e Transição Justa; Reforma da Governança Global.
Quem somos e de onde falamos
Representamos movimentos sociais e organizações da sociedade civil do Brasil e do mundo, reunidos ao final de intensos processos participativos, que buscaram dar voz aos mais diversos segmentos da sociedade global, frequentemente impactados, mas raramente ouvidos nas grandes decisões geopolíticas e macroeconômicas conduzidas por um seleto grupo de mandatários.
Durante esses meses de trabalho, buscamos incorporar as demandas, reivindicações e propostas historicamente construídas pelas organizações e movimentos de mulheres, negros e negras, povos originários e indígenas, comunidades tradicionais, pessoas com deficiências, LGBTQIA+, jovens, crianças, adolescentes, pessoas idosas, populações deslocadas ou em situação de rua, migrantes, refugiados e apátridas, trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, da economia formal, informal, solidária e de cuidados. Todos clamando por uma reforma da governança global que assegure o fim dos conflitos armados, o desenvolvimento e a justiça socioambiental para si e para todo o planeta.
Combate à fome, à pobreza e à desigualdade
Em caráter de urgência e prioridade máxima, é imperiosa a adesão de todos os países do G20 e outros Estados, à iniciativa da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Em alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, essa aliança deve promover a cooperação e a intercooperação entre países e organismos internacionais, estabelecendo um fundo específico para financiar políticas públicas e programas de combate à fome, de forma a garantir o acesso universal à alimentação adequada.
Defendemos a soberania alimentar, a partir da produção de alimentos saudáveis, como um pilar para erradicar o flagelo da fome em cada nação e no plano global. Os povos devem ter reconhecido o direito de acesso democratizado à terra e à água, de controlar sua própria produção e distribuição de alimentos, com ênfase em práticas agroecológicas e de preservação do meio ambiente. A promoção de uma alimentação saudável deve ser central para assegurar justiça socioambiental, garantindo que todos os grupos sociais, independentemente de raça, classe, gênero ou origem, tenham acesso igualitário aos benefícios ambientais, respeitando as culturas alimentares tradicionais e evitando a mercantilização dos recursos naturais.
Reafirmamos a centralidade do trabalho decente, conforme os padrões da OIT, como elemento essencial na superação da pobreza e das desigualdades. É crucial combater o trabalho escravo, infantil, o tráfico humano e todas as demais formas de exploração e de precarização do trabalho. Enfatizamos a defesa da formalização do mercado de trabalho e de economias inclusivas e contra-hegemônicas, como a economia popular e solidária, cooperativas, cozinhas solidárias e o reconhecimento e valorização da economia de cuidados. É essencial assegurar que todos, especialmente jovens, população negra, mulheres e os mais vulneráveis, tenham acesso a empregos dignos, sistemas de seguridade e proteção social e à ampliação dos direitos sindicais.
Sustentabilidade, mudanças do clima e transição justa
Os mesmos dilemas que atingem milhões de pessoas vítimas da fome, das desigualdades e da pobreza refletem-se no descompromisso da maioria dos países desenvolvidos e de suas elites com o enfrentamento das mudanças climáticas e o aquecimento global. As populações mais afetadas pela fome e pela pobreza são as que mais sofrem com as emergências climáticas e desastres naturais, que se tornam mais intensos e frequentes em todo o mundo.
Reiteramos a urgência de enfrentar as mudanças climáticas, com respeito à ciência e aos conhecimentos tradicionais dos nossos povos, destacando a importância dos compromissos de adaptação e mitigação no âmbito da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) e do Acordo de Paris. É uma exigência ética que os líderes mundiais assumam um compromisso firme com a redução de emissões de gases de efeito estufa e do desmatamento, bem como a proteção dos oceanos, condições essenciais para limitar o aquecimento global a 1,5°C e evitar danos irreversíveis ao planeta.
A transição justa, como processo de transformação socioeconômica para um modelo sustentável, deve ser o princípio norteador para substituir o modelo de produção baseado em combustíveis fósseis por uma economia de baixo carbono. Essa transformação precisa enfrentar a exclusão social, a pobreza energética e o racismo ambiental, e garantir condições equitativas para trabalhadores e trabalhadoras, pessoas negras e comunidades vulneráveis. Reforçamos que essa transição exige um esforço relevante de educação ambiental, participação social e formação cidadã.
Precisamos reforçar, também, a proteção de nossas florestas tropicais através da criação do Fundo Floresta Tropical para Sempre (TFFF), um mecanismo de financiamento internacional dedicado à sua proteção e inclusão socioprodutiva das populações que delas vivem e as mantém em pé. Este fundo, somado a um Novo Objetivo Quantificado Coletivo (NCQG) de financiamento climático, fortalecerá a articulação global necessária para preservar o meio ambiente, garantindo o apoio financeiro contínuo para conservar a biodiversidade e enfrentar a crise climática de forma eficaz.
Reforma da governança global
Para atingir esses objetivos, reivindicamos a necessária e inadiável reforma do modelo atual de governança global, que já se mostrou incapaz de oferecer respostas aos desafios contemporâneos e a manutenção da paz.
Assim, enfatizamos a necessidade inadiável de reforma das instituições internacionais para que reflitam a realidade geopolítica contemporânea, com a promoção do multilateralismo e ampliação da participação dos governos e povos dos países do Sul Global nos fóruns decisórios. Em especial, a reforma do Conselho de Segurança da ONU é imprescindível para garantir a diversidade de vozes globais e promover soluções mais equilibradas e eficazes frente aos desafios atuais.
Defendemos que esta reforma abrace a premissa da promoção da democracia e da participação da sociedade civil. A democracia está em risco quando forças de extrema direita promovem desinformação, discursos totalitários e autoritários, atentando contra os direitos humanos e veiculando mentira, ódio, preconceito, xenofobia, etarismo, racismo e violência nas relações sociais e políticas, dentro das fronteiras de cada país e no plano internacional. Defender a democracia implica em defender o Estado Democrático de Direito e a participação direta da população nos mecanismos nacionais e internacionais de regulação das informações. O exercício do direito à transparência e comunicação plural assegura uma governança global inclusiva, conferindo legitimidade e eficácia aos Estados e organismos internacionais.
Acreditamos que a justiça fiscal é uma ferramenta fundamental para alcançar o desenvolvimento sustentável. Por isso, defendemos a taxação progressiva dos super-ricos, com a garantia de que os recursos arrecadados sejam destinados a fundos nacionais e internacionais de financiamento de políticas sociais, ambientais e culturais. Esses e todos os demais fundos aqui reivindicados devem estar regidos por princípios de transparência, controle e participação da sociedade civil.
Conclusão
Senhores e senhoras líderes do G20, é hora de assumirmos a responsabilidade de liderar uma transformação que seja efetivamente profunda e duradoura.
Compromissos ambiciosos são essenciais para fortalecer as instituições internacionais, combater a fome e a desigualdade, mitigar os impactos das mudanças do clima e proteger nossos ecossistemas. Este é o momento de agir com determinação e solidariedade. Com vontade política e a institucionalização de instâncias como a Cúpula Social do G20, podemos, sim, construir uma agenda coletiva que honre o compromisso com a justiça social e com a paz global.
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